Entre os salgueiros e os chorões, fronteiros aos pequenos prédios, cobrindo de luz verde as fachadas, refletindo-se em mais verde na água do canal, no espelho da vidraça e no dos espiões, correm pequenos jardins comedidos em largura pela frontaria das casas, e tendo no centro uma ou outra casa reduzida, algumas vezes também envidraçada e servindo de galinheiro. São parquezinhos microscópicos, de bonecas, em que se condensam por abreviatura todas as fantasias dos jardineiros paisagistas, o outeirinho onde campeia sobre talude verde um moinhozinho de dois palmos de altura, o caramanchão, para dentro do qual só se poderá entrar de gatas, com a sua competente cúpula em flecha, terminando por um pequeno globo de espelho, o mastro embandeirado do tamanho de uma bengala, a flexuosa avenida ensombrada por dois renques de repolhos, e na qual os pés do castelão só cabem um adiante do outro, o alecrim talhado em obelisco, cobrindo protetoramente a plataforma central como o velho cedro gigantesco do sítio, no lago às vezes vogam duas embarcações de lata ou de cortiça, mas onde os marrecos só entram revezadamente, por não caberem doutro modo, um a um, e, finalmente, o pagode indiano ou quiosque chinês das dimensões de uma gaiola de canário, em cubos decrescentes de baixo para cima, desde o tamanho da rasa até o tamanho do meio salamim, com ângulos recurvos e um chocalho pendente de cada ângulo. Ao fundo dos jardins passa, em linha reta, como sempre, a fita do canal. Depois a outra fileira de jardins e os prédios da outra banda, Nos canais mais estreitos, onde seria impossível fazer manobrar uma bateria, o habitante serve-se, para atravessar a rua por cima da água, de uma prancha que faz ponte, e que ele rejeita para a margem de que saiu, depois de ter passado para a margem oposta.
Ramalho Ortigão
Ramalho Ortigão
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